Gozada Cultural

O livro em 6 frases:

"É curioso como julgamos os demais e não percebemos
o quão miserável é nosso desprezo até eles nos faltarem,
até serem tirados de nós. São tirados de nós porque nunca
foram nossos..." (Daniel)

"Uma das armadilhas da infância é que não é preciso
se entender uma coisa para sentir.
Quando a razão é capaz de entender o ocorrido,
as feridas no coração já são profundas demais." (Daniel)

" Até aquele instante, não havia compreendido
que aquela era uma história de pessoas solitárias, de ausências
e de perda, e que, por esse motivo, havia me refugiado
nela até confundi-la com a minha própria vida,
como quem escapa pelas páginas de um romance
porque aqueles que precisam amar são apenas
sombras que moram na alma de um estranho." (Daniel)

“As pessoas não são malvadas Daniel – observou Fermín – Elas são imbecis mesmo, o que não é a mesma coisa. O mal pressupõe uma determinação moral, intenção e certa inteligência. O imbecil ou selvagem não pára para pensar ou raciocinar. Age por instinto, como besta de estábulo, convencido de que está fazendo o bem, de que sempre tem razão e fica orgulhoso de sair fodendo, desculpe, tudo aquilo que lhe parece diferente dele próprio, seja em relação à cor, credo, idioma, nacionalidade,etc... O que faz falta no mundo é mais gente ruim de verdade e menos espertalhões limítrofes.” (Fermin)

"O modo mais eficaz de tornar os pobres inofensivos é ensiná-los a querer imitar os ricos. Esse é o veneno com que o capitalismo cega" (Fermin)

"A televisão, amigo Daniel, é o Anticristo, e eu digo que bastarão três ou quatro gerações para as pessoas não saberem mais nem peidar por conta própria e para o ser humano voltar à caverna, à barbárie medieval, a estados de imbecilidade que a lesma já superou por volta do Pleistoceno. Este mundo não vai acabar por causa da bomba atômica, como dizem os jornais, vai acabar, sim, de tanta risada, de tanta banalidade, por essa mania de se fazer piada com tudo, e além do mais, piadas ruins." (Fermin)

A Sombra do Vento é o primeiro livro que leio no ano, e já considero um dos melhores que li nos últimos tempos. A obra foi escrita pelo espanhol Carlos Ruiz Zafón, que se tornou uma das maiores revelações literárias depois deste livro, sendo premiado na Espanha e traduzido em pelo menos nove idiomas. Em A sombra do vento Ruiz Zafón nos leva a passear por Barcelona, uma das cidades mais charmosas do mundo e que aqui aparece sombria e misteriosa.

Para começar a resenha devo confessar que no início a leitura não me animou muito, já que o livro começa de maneira morna e excessivamente descritiva. Porém, depois das primeiras 70 páginas é impossível desgrudar do livro, que passa a desenvolver uma narrativa alucinante e cheia de surpresas. É impressionante o numero de tramas e subtramas que Zafon desenvolve sem, em nenhum momento, confundir seu leitor.

Numa Barcelona do pós-guerra e às voltas com a ascensão de Franco, o livro narra a história de Daniel Sempere, um menino com quase 11 anos, que acorda no meio de uma noite em desespero, pois não consegue se lembrar do rosto de sua mãe, falecida desde seus 4 anos. Sem saber ao certo o que fazer, o Sr. Sempere (seu pai) leva ele a um lugar misterioso: o Cemitério dos Livros Esquecidos, uma biblioteca quase secreta que apenas os antigos livreiros têm conhecimento, lá estão guardados e protegidos livros que o mundo queria se esquecer, junto dos seus escritores “malditos”, livros que aquele mundo que estava surgindo não devia e merecia conhecer, à espera de alguém que os descubra.

No meio das enormes estantes, Daniel encontra um livro: A Sombra do Vento, de um tal Julián Carax. Fascinado pela obra, Daniel passa a buscar maiores informações sobre o autor e seus livros, e aos poucos vai percebendo que, além dele, alguém mais está em busca de Carax e sistematicamente promovendo o desaparecimento de qualquer traço do mesmo sobre sua existência literária (e não-literária).

Enquanto vai descobrindo mais sobre a vida de Carax, Daniel entende que o mistério de sua obra está de alguma forma relacionado à uma história de amor entre dois jovens do início do século: o próprio Carax, filho de um modesto chapeleiro, e Penélope Aldaya, filha de uma família da alta sociedade de Barcelona. E enquanto a cidade e seus personagens vão aos poucos lhe revelando os segredos e as conseqüências dessa história de amor do passado, o próprio Daniel também vive sua história de amor proibido junto com Bea, irmã mais velha de seu melhor amigo Tomás Aguilar.

Como vocês já devem ter percebido A Sombra do Vento é um romance que mescla (com maestria) diversos gêneros literários, tendo elementos das tramas policiais de Agatha Christie, do suspense gótico inaugurado por Poe, e, principalmente, das tragédias românticas escritas por Victor Hugo e Sheakespeare.

Mas o mais interessante é que o livro nunca se torna excessivamente pretensioso ou solene, já que procura manter um tom cômico e sarcástico através de um personagem simplesmente genial chamado Fermín Romero de Torres. Ele é um mendigo que Daniel conhece nas ruas de Barcelona e depois acolhe na livraria do seu pai. Fermim, no entanto, tem um passado misterioso e acaba se revelando um grande intelectual, com peculiar senso de humor e sarcasmo.

Sabendo trabalhar os clichês de maneira original, Zafón cria o tipo de livro para ser lido “de uma vez só”, já que é uma leitura extremamente agradável e prazerosa. E ,no final das contas, A Sombra do Vento é um belo pleito pela liberdade de expressão, de pensamento e, acima de tudo, à liberdade de amar.

Avaliação: 9

By Zé